sábado, 22 de setembro de 2007

A Grande Guerra

Não é fácil ser-se espermatozóide.

Imaginem como será pertencer a um grupo de 300 ou mais milhões "iguais" a nós, onde só um poderá vencer.

A probabilidade de singrar é bastante menor que ganhar a lotaria, vos garanto. E, tal como esta também há a hipótese de nenhum alcançar o pódio.

Aquando a cópula, os espermatozóides são "chamados aos postos", como que soldados se tratassem, tendo que estar plenamente preparados para esta pequena grande corrida que irão travar. São 3 meses de preparação para este momento. A pressão é enorme.

Entretanto, o seu meio de saída para o exterior executa movimentos extremos, bruscos, que, além de proporcionarem um enorme prazer, vão retirando estrategicamente os espermatozóides contidos na vagina de um possível rival. É um "jogo sujo", de sobrevivência, experimentado não só pelos humanos.

Quando o momento chega, os bravos guerreiros são lançados a uma velocidade de quase 20km/h, juntamente com um fluido seminal que lhes dará alimento durante a viagem, bem como permitirá uma pressão suficiente para arrancar do útero um possível inimigo que terá ficado escondido.

Com as tropas já no interior, há que ultrapassar os obstáculos. Para isso, conta-se com 3 tipos de espermatozóides: os potenciais fecundadores (aproximadamente 1 milhão por ejaculação), os bloqueadores (aproximadamente 100 milhões), que dão a vida para cobrir o avanço dos outros, e os assassinos (aprox. 200 milhões), cuja missão é descobrir e eliminar a concorrência.

Quando o óvulo chega à zona de fecundação, os espermatozóides alojados no útero têm oportunidade de percorrer o restante percurso e tentar alcançar o objectivo.

Se, nesse entretanto, a mulher manteve relações com o mesmo parceiro, os guerreiros "veteranos" morrerão para dar lugar às novas gerações mais resistente.

Caso contrário, dar-se-á o que Robin Baker e Mark Bellis, biólogos britânicos, chamam de "guerra espermática", um feroz combate entre os dois exércitos.

É nesta altura que actuam os espermatozóides assassinos, equipados com grandes quantidades de frutose, procurando ADN estranho e eliminando-o com um veneno celular.

Após os potenciais fecundadores entrarem, os bloqueadores coagulam, formando uma parede rígida que impede possíveis rivais de prosseguirem.

Chega então a parte em que o factor sorte entra em acção: Os que continuam em competição são obrigados a atravessar inúmeros obstáculos, tais como toxinas ou mesmo "labirintos", onde acabam por morrer antes de encontrar saída.

Assim, o espermatozóide que chegou à meta pode sentir-se feliz. Mas não descansado. A corrida ainda não acabou; o objectivo não é só chegar ao óvulo; é necessário fecundá-lo.

As alianças são quebradas, é a altura do cada um por si.

Ainda não se conhece a razão pelo qual fecunda um o óvulo e não outro.

Descobriu-se, no entanto, algo bastante interessante: Se muitos chegam à meta, talvez por ser sinal de uma má selecção, é despoletada a produção de um veneno por parte dos espermatozóides assassinos que matará o óvulo.

Por sua vez, a vagina não tem um papel passivo.
Quando o sémen e indesejado, esta faz os possíveis para o retirar da sua beira. A bem ou a mal.

Na pior das hipóteses, envia lucócitos que tratarão de destruir os pequenos guerreiros de forma violenta.

Já se lhe forem favoráveis, terão estes um chamado "tempo de repouso" de 5 dias.

Uma outra descoberta interessante é o relógio interno masculino.

Não podendo ter a certeza que o sémen é seu, o homem desenvolveu uma táctica que funciona à base do tempo que decorreu desde a sua última cópula.

Se for pequeno, a possibilidade de possuir sémen de outrem é menor, logo, serão enviados menos soldados para o terreno. Afinal, o tempo de estágio é grande, não se deve desperdiçar.

Já se o tempo decorrido é grande, o número de guerreiros é consideravelmente maior.

Como se pode ver, a batalha pela vida começa já antes de nascermos.

Talvez seja por isso que o gosto pela guerra nos esteja no sangue, e não conigamos viver por longos períodos de paz.

São genocídios maiores que alguma vez possamos imaginar que ocorrem diariamente.

Tudo para que o melhor ou o mais sortudo possa dar origem a um de nós.
Assim, quando pensarem que não valem para ninguém, lembrem-se que já milhões morreram para vocês singrarem. É sinal que são mesmo importantes.

Cumprimentos
Para mais informações:
Super Interessante, n.º 107;
Sperm Wars, BAKER, Robin

3 comentários:

Anónimo disse...

Ana fi a curiosodade que me "chamou" para vir visitar o teu blog...

O professor comentouesta tua postagem e eu fiquei logo curiosa em le-la...

Tenho a dizer que adorei, deconhecia algumas das coisas que aqui dizes, nomeadamente as "diferentes funções" dos espermatozóides e os espermatozóides de dado homem conseguirem idenfiticar espermatozóides de um outro individuo, os seus rivais como lhes chamas. Nunca pensei que assim fosse.

Sempre pensei que fosse uma corrida, como ter um saco de milho espalhado no chão e soltar imensas galinhas, neste caso a maior parte das galinhas teriam acesso ao milho, mas a minha comparação é simplesmente na fase inicial. Aqui as galinhas não têm diferentes funções, o interesse é chegar ao milho, pode acontecer é umas atropelarem-se ás outras e assim chegar mais depressa ao milho. E neste caso as galinhas do dono também não iriam eliminar as outras galinhas de outro dono que também participassem na corrida ao lado delas, o obejctivo é chegar ao milho o mais depressa possivel.

Deixo aqui um comentario um pouco esquisito mas é a melhor maneira, penso eu, de demonstrar a maneira como pensava antes de ler esta postagem e das aulas de biologia.

PARABENS!!! =)

Joana Carvalho disse...

Gostei muito desta postagem. É um verdadeiro filme de acção mas o melhor de tudo é que podemos dar largas à imaginação...
Inicialmente, eu imaginava esta história de milhões de espermatozóides só para um oócito II (vulgarmente chamado de óvulo)como uma espécie de competição de ciclismo. Lá iam os espermatozóides muito juntinhos, uns abriam caminho, outros empurravam os adversários para que os melhores da sua equpa pudessem passar, alguns ficavam pelo caminho, e na "recta" final havia um grande sprint e os primeiros a chegar tinham a oportunidade de tentar fecundar o oócito II.
Bom, afinal de contas, até podemos encontrar algumas semelhanças pois existem os espermatozóides potenciais fecundadores, bloqueadores e assassinos.
Foi uma maneira muito divertida de aprender tantas coisas novas. Obrigada.
Fiquei ainda mais maravilhada com este organismo fantástico que é o corpo humano.

Professor José Salsa disse...

Excelente artigo, embora algo romanceado... fica bem claro que a fecundação e a formação de um novo ser resulta de um conjunto de fenómenos selectivos e aleatórios irrepetíveis!