quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Roadtrip to Macedónia e anexos - capítulo 3

“Que puto de fim do mundo onde nos viemos meter. Que raio de país de terceiro mundo, este!”

Finalmente cheguei à Macedónia, o que prova que a persistência compensa. Persistência em grandes doses. Enormes. Cheguei a achar que a Macedónia tinha uma barreira fortíssima anti-portugueses, ou anti-eu, de tão difícil que foi entrar neste pequenino desterro em que me encontro.

Depois do incidente que já relatei na crónica passada, eis que chegamos à fronteira da Macedónia e nos exigem 50 euros porque o seguro do carro não abrange este país de “risco acrescido”. É como um país diabético com dois incidentes de AVC no historial da seguradora. Nada contra, cada um com as suas doenças, não vamos discriminar ninguém, mas olhem, não temos 50 euros em dinheiro, podemos pagar com cartão? Não. Então? Então, olhem, não entram, respondeu-nos um encolher de ombros com o máximo de desprezo que um deltóide e um trapézio conseguem expressar. Mas não podemos ir de táxi até ao ATM mais próximo e levantar dinheiro? Podem, mas só podem ir dois de vocês e só levam um passaporte. E se aparecer a polícia e nos pedir identificação? Estão tramados, mas não é nada comigo (afinal um encolher de ombros consegue ser bastante expressivo, e é fluente em todas as línguas do mundo).

Fomos então eu, o meu pai e o seu passaporte num Kia que não tinha taxímetro, nem letreiro indicativo de táxi, muito menos aquele número que nos estão sempre a dizer os taxistas que serve para a polícia ver que os taxistas não estão a aldrabar na tarifa. Claro que não pode ter, os primeiros sabem que os segundos estão a aldrabar, para quê darem-se ao trabalho de pôr uma luzinha no tecto do carro? Para ficar bonito? Até destoava. E 20 euros, um “Cristiano Ronaldo? Portugalia dubro! Mourinho! Figo! Dubro, dubro!” depois, estávamos prontos a arrancar para a Big Apple.

Como não tinha feito o trabalho de casa, espantei-me bastante por constatar que Skopje chega a ter 1 milhão de pessoas durante o período escolar. Não sei onde se escondem, e em que buracos subterrâneos vivem, mas dou-lhes os meus parabéns. Conseguem camuflar uma enorme metrópole à vista dos turistas, de modo que estes chegam a pensar estar num constante subúrbio, espectante que algo surja para que possam compreender atributo de capital, e acima de tudo, CIDADE, a Skopje.

Após mais uma tentativa de me desviar do meu fim, cuspindo-me para a auto-estrada com destino a Atenas mal nela entrei, consegui domar a fera. Chegara a Skopje, sentindo-me invencível.

Mas nada dura eternamente, muito menos a minha confiança neste país: Fui conhecer hoje o hospital. E apresentar-me como trabalhadora empenhada e sedenta de investigação. Estou num Research Exchange, e estou em bioquímica, num projecto que não tem muito que ver com nada que eu faça em Portugal, mas pronto, não importa, estou em bioquímica! Algo me há-de ser útil! Ler artigos, conhecer técnicas que posso depois levar para o laboratório e dizer “Hey! Fui para o terceiro mundo mas valeu a pena! Reparem como eles fazem esta técnica tão incrível! E nunca nos ocorreu! Hey! Já estou tão mais expe...rien... Como? Não há investigação no Verão porque as pessoas estão de férias? Mas então o que raio estamos aqui a fazer? O projecto que nos calhou nem sequer existe?

Não fosse a extrema simpatia da professora que me calhou e que me esteve a explicar que não havia investigação naquele laboratório, a única coisa que lá faziam era avaliar a proteinúria em amostras de urina de doentes do hospital, todos os dias, desde sempre, e que nem dinheiro havia para pensar em fazer investigação, e eu ficaria convencida que era personagem surpresa do Hostel 3, versão Macedollywood. Ainda não descartei essa hipótese de todo, atenção, portanto se por acaso um dia deixar de responder e em Setembro não aparecer nas aulas, procurem o meu nome numa banquinha de DVDs piratas.

“Que puto de fim do mundo em que nos viemos meter” repetia o meu pai. “Ainda bem que já vamos embora amanhã”. Eu fico. Um mês.


PS: Esta crónica é de ontem, mas a internet aqui só existe de vez em quando...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Roadtrip to Macedónia e anexos - capítulo 2

Dias 3 a 6

De pouco me adianta contar o que se passou nos dois primeiros dias – foram fastidiosos e iguais aos de muitas outras viagens, com todos os incómodos que possam imaginar ser devidos a uma travessia de dimensões quase intra-continentais. O terceiro dia previa-se semelhante aos demais, e eu intentava começar de facto o meu relato no dia que chegasse à Macedónia, previsto para dia 1 de Agosto, ou seja, ontem.

No entanto, hoje é dia 2 e cá estou eu, em Sl. Brod, Croácia, uma pequena cidade a 80kms da Sérvia, e onde são notórias marcas do período de guerra que se travou nos Balcãs – buracos de metralhadoras desferidos nas paredes das casas de civis, quase uniformemente carimbados, como um grito de pretensão de posse. (Para além desses muitos buracos na parede vejo-me obrigada a constatar que a cidade não tem grande ponta por onde se lhe pegue, tendo chegado, por momentos (e peço desculpa às minhas amizades desta cidade oriundas) a compará-la com a Trofa. Felizmente bastou-me um passeio de 10 minutos para reconsiderar a opinião formulada: não há cidade tão feia como a Trofa. Nem mesmo na Croácia.

Não obstante, o que me prende aqui não é uma tentativa antropológica e quase doentia de descobrir uma cidade que consiga suplantar a Trofa em termos de fealdade, até porque, como já referi, não acredito em milagres, nem tenho teima tamanha que me faça percorrer mundos e fundos por um propósito ao qual a falta de fé não ajuda. Mas sou esquecida. E despistada, um pouco. Um pouco mais do que devia... E, admito, após a tortuosa fase de exames que com que tive o (des)prazer de me cruzar, entreguei-me a uma inércia tal que nem o facto de estar prestes a fazer a viagem da minha vida, e adivinhando 5 semanas em países com nomes estranhos e letras que ainda desconheço como se pronunciam (aqueles pequeninos “v’s” em cima das letras fazem-me comichão), me tornou dotada da organização necessária para o efeito. Com efeito, enquanto a minha mãe se esquecia dos pratos e colheres para comermos cereais, eu esquecia-me do passaporte, sabendo que tinha perdido o Bilhete de Identidade dois dias antes. Pelo menos um válido...

E, claro, la vita è bella enquanto os países têm fronteiras abertas para os seus hermanos, e assim passamos Espanha, França, Itália como quem bebe um copo de água (portuguesa, que a croata tem para cima de 500mg/L de resíduos sólidos, é quase gelatinosa e é um mito que mata a sede). Mas, chegados à Croácia, pedem-nos identificação, e qual não é o meu assombro quando vejo o revisor a abrir o meu passaporte e de lá a saltarem as cores vibrantes de que eram dotados os passaportes antes da era digital. Eis perante o senhor (que não deve ter reparado sequer que eu envelhecera pelo menos 8 anos desde a altura em que fora tirada a foto presente naquele documento) o meu passaporte caducado em 2006. Bendito senhor! que não reparou na minha clandestinidade no país. Contudo agora deparava-me com um problema ainda maior: tal como me poderiam ter barrado a entrada na Croácia, podiam a qualquer momento impedir qualquer tentativa de saída desta. Mais grave do que não chegar à minha meta seria não sair nunca de um país onde a beldade é tanta que me sinto bicho, a estatura é tamanha que me sinto anã, e não há sequer arroz para matar a saudade de casa!

Não quero com isto insinuar que não gostei (ou estou a gostar) do país que me recebe. Visitei cidades lindíssimas: Rijeka, Zadar (foto 1), a cidade da juventude, parecia a queima em início de noite, ou o piolho em grande escala, com uma vida nocturna (como quem diz, pelo menos até às 11 da noite) impressionante. A minha turma havia de gostar.

Split, com as suas ruas pequenas que caracterizam as cidades medievais da Croácia, apertadas como a ribeira do porto mas todas feitas pelo calcário que confere a dureza à água que a torna intragável.
De Split seguimos para Dubrovnik. A viagem, que não chegava a 200km de distância, sendo que desses, perto de 80km eram em auto-estrada, demorou-nos 5 horas. Isto porque a dita tinha troços que estavam ainda em terra batida e cascalho, e a nacional tinha filas de fazer desesperar o mais paciente dos humanos em terra. A aflição era tanta que conseguiu arrancar ao meu pai, que considero um dos maiores neo-pessimistas de que tenho memória de ter conhecido, um “Isto nem em Portugal!”. Não é fácil.

A chegada, às 23h00 “deles”, era o culminar de um dia de quase jejum, mais por teimosia parva do que falta do que comer, tortuosas horas de condução (não da minha parte, claro) e visitas a pé a algumas cidades. Digo-vos sinceramente que chegar a Dubrovnik (foto 3) nessas condições, e sem hotel reservado, desconfiando que os restaurantes já não servissem pela hora tardia e nem um mapa que nos orientasse, é exasperante. Mas algo que me apercebi é que na Croácia ninguém fica sem dormir. Seja de tradição ou de longos anos penando pela crise que se vai agravando, há sempre um quarto que alguém anseia por alugar, e há sempre alguém que conhece esse alguém. Neste caso foi o recepcionista do hotel a que nos dirigimos para perguntar se tinha quartos disponíveis. Não é que não os tivesse, mas a nossa expressão de desagrado perante os altos preços que nos apresentava foi suficiente para que nos desse uma alternativa muito mais agradável para a nossa carteira. Foi aí que conhecemos o Michael (imensas desculpas ao senhor, ignoro como se escreva realmente o nome), o senhorio da “piccola casa per piccola persona, like me”, com o qual ouso discordar, tendo em conta que a casa para a normalidade dos quartos que uma pessoa aluga num hotel, era enorme, e o próprio senhor Michael não se podia queixar de ter ficado a dever à estatura. Foi de uma simpatia e de uma hospitalidade que depois vim a concluir que estão inerentes ao povo croata.

Enfim, após uma noite bem dormida, fomos conhecer a parte velha de Dubrovnik. Devo referir que foi uma cidade que também sofreu bastante o confronto que se debatia, nos inícios dos anos 90, entre o país que integra, a Sérvia e a Bósnia (esta última acabou por ficar com um enclave na Croácia muito peculiar, uma faixa de terra fininha de quem se recusa a ser um país exclusivamente interior. É engraçado, vejam no mapa, como é impossível ir a Dubrovnik sem sair da Croácia 10 minutos. Bem, engraçado para quem tem passaporte, na altura não achei piada nenhuma). Mas foi reconstruída, e bem. Mais uma vez, cidade muralhada, medieval, muito simétrica e igual entre si. Belíssima e, contudo, turística em demasia. Dei por mim a imaginar como seria a cidade quando realmente as pessoas viviam para si e não para os turistas. Vi mulheres mal feitas, uma prova de que havia estrangeiras a visitar a cidade, ouvi muito português, muito italiano. 80% das lojas eram de souvenirs para os meninos, e vêm-se obrigados a fazer contas se insistirem em pagar em kunas (moeda oficial da Croácia), por tanto trabalharem com euros! Comprei cascas de laranja cristalizadas, paguei caro por um bom peixe grelhado, e parti.

O destino agora era Zagreb, local onde a UPS conseguiu colocar o meu passaporte em 2 dias (digo-vos já que a partir de agora passou a ser a minha transportadora oficial, e se, por acaso, me esquecer de algum livro na longa distância que percorro de minha casa à faculdade, não hesitarei em socorrer-me dela). Só que não reservarmos hotel constitui uma vantagem quase que evolutiva na relação entre a minha família: consegue matar a sede de descoberta da minha mãe, enquanto o meu pai resmunga, e acalmá-lo quando verifica que afinal valeu a pena! E com o bater de asas da borboleta que move os tufões da curiosidade no mais íntimo da minha progenitora se mudou o destino: afinal iríamos visitar a maior reserva natural da Croácia (cujo nome não me recordo de momento, mas não tardarei a actualizar a página, logo que pergunte à minha mãe).

Mais uma vez a hospitalidade marcada deste ser que é o croata-senhorio foi notória. Depois de nos perguntarem de que país éramos (julgam-nos sempre espanhóis!), serviram-nos um vinho avinagrado com uma travessa de salsichas com batatas assadas que o meu pai insistia serem cozinhadas à maneira portuguesa! Ao pequeno-almoço lá lhe fizeram a vontade e deram-lhe torradas com manteiga “because I know that you, spanish people, like toasts”. Olé.

A hora já tarda, e não tenho ainda aqui as fotos do parque, logo amanhã continuarei a crónica.

Obrigada pela paciência de quem está de férias ou me tem em grande apreço!