sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Malária - Inimigo público #1





Um mosquito surge de noite e coloca-se sobre uma superfície de pele deixada a descoberto. Depois, mergulha as suas componentes bocais em forma de agulha na pele. É um Anopheles fêmea, o único mosquito portador do parasita da malária humana. Porquê fêmea? Porque os machos não têm qualquer interesse em sangue. Já as fêmeas precisam da hemoglobina rica em ferro para alimentar os seus ovos.


Atravessando a epiderme, perfura de seguida uma fina camada de gordura e, por fim, entra na rede sanguínea. Nessa fase, começa então a sugar. Para impedir o sangue de coagular, o mosquito reveste a zona picada com um borrifo de saliva, transportando com esta os parasitas para o organismo. São os parasitas unicelulares da malária, conhecidos por plasmódios. Apesar de entrarem, numa picada de mosquito, cerca de duas ou três dezenas destes, bastaria um único para matar um ser humano.

Após a sua inserção no organismo, são conduzidos pelo sistema circulatório até ao fígado, onde se instalam. Aí introduzem-se nas células hepáticas e começam a reproduzir-se. As células explodem. No espaço de 30 segundos, contudo, os parasitas voltam a alojar-se em novas células. E o ciclo continua.

Quando o organismo, entretanto, se apercebe, acciona o sistema imunitário: a temperatura eleva-se, com o sentido de derreter os invasores, o que raramente resulta. Estes conseguem inclusivamente controlar as células sanguíneas para os ajudarem a sobreviver. Em alguns casos, as células infectadas desenvolvem à superfície saliências parecidas com velcro e, ao passarem pelos capilares do cérebro, agarram-se firmemente às paredes, impedindo a circulação sanguínea no cérebro.


A infecção transformou-se em malária cerebral, a manifestação mais temida da doença. É nesse momento que o organismo começa a soçobrar: os parasitas destruíram tantos eritrócitos portadores de oxigénio que os restantes deixam de ser suficientes para garantir o desempenho das funções vitais. Os pulmões esforçam-se desesperadamente por respirar e o coração tenta a custo bater. A acidez do sangue eleva-se. As células do cérebro morrem.


A pessoa agita-se, sofre convulsões e, por fim, entra em coma. A malária ataca mais de 100 países e cerca de metade da população mundial. De entre os 500 milhões de infectados este ano, pelo menos um milho perderá a vida. Grande parte com idade inferior a 5 anos. A maioria vive em África.

Enquanto se procedem a métodos dos mais tradicionais (ervas chinesas, redes mosquiteiras), investigadores procuram o Santo Graal desta busca: a vacina que permita travar definitivamente a doença.
Stephen Hoffman é o fundador da única empresa dedicada exclusivamente à descoberta de uma vacina contra a malária. A empresa chama-se Sanaria, que significa “bons ares”, o oposto de malária. Trabalhando já há 14 anos no assunto, chegou já a estar extremamente confiante da descoberta para breve da dita vacina. Isto em 1984, ano em que o próprio se fez picar por um mosquito infectado para provar, diante de uma conferência médica, a eficácia deste tratamento. Na manhã seguinte à chegada, já sentia tremuras e febre. Descobriu que sofria de malária. Hoje, volvidos 20 anos, ainda não desistiu.

O grandioso objectivo de Hoffman é imunizar a totalidade dos 25 milhões de bebés que todos os anos nascem na África subsaariana. Ele acredita que pelo menos 90% destes bebés que todos os anos nascem serão imunes à malária. Se assim for, será a primeira geração de africanos que não padecerá da doença.


Artigo resumido de:
National Geographic, Julho 2007

1 comentário:

Unknown disse...

Queria dar os parabéns pelo blogue. Trabalhos como este demonstram que existem jovens interessados pelos acontecimentos do mundo e que se mantêm “em cima dos acontecimentos”. Demonstram também que estes jovens têm capacidade de comunicar os seus interesses e, não menos importante, de o fazer em espaços abertos ao diálogo. Dada a minha formação na área das ciências biomédicas, agrada-me particularmente assistir a um interesse especial por matérias biológicas.

Lí com muito interesse o artigo sobre malária. Queria salientar a grande importância de trazer esta doença, maioritáriamente de “pobres” à agenda do mundo. Só a divulgação da informação sobre o impacto da malária (também conhecida por paludismo) nas milhares de vidas em risco (cerca de 50% da população mundial), poderá levar a esforços efectivos no controlo da doença. Por isso, muitos parabéns à Ana Luísa, pelo interesse e pelo artigo. Parabéns também pela forma como conseguiste tratar de um assunto complexo com uma línguagem acessível e dinâmica. É uma componente essencial para comunicar o conhecimento científico.

Aproveito para adicionar alguns detalhes sobre esta infecção. A fêmea do mosquito Anopheles fica infectada com plasmódio quando pica um ser humano com malária. O mosquito que não esteja em contacto com pessoas infectadas, não contrai os parasitas e portanto não transmite a doença. Quando inoculados pelo mosquito no homem, como muito bem descrito no presente artigo, os plasmódios istalam-se no fígado, infectando as células hepáticas, no interior das quais se reproduzem. Esta fase da infecção, a fase hepática, dura em média 6 a 14 dias, sem quaisquer sintomas clínicos. No final desta fase, cada célula hepática que foi infectada inicialmente, contém no seu interior milhares de novos parasitas resultantes de apenas um que invadiu essa célula, e por isso rebenta (ou explode), libertando para a corrente sanguínea os parasitas que estavam no seu interior. Agora sim, em menos de um minuto cada um destes parasitas infecta um glóbulo vermelho, iniciando um ciclo de infecções a que se dá o nome de fase sanguínea. Nesta fase, cada parasita, dentro do góbulo vermelho (eritrócito), amadurece e depois reproduz-se dando origem a dezenas de parasitas. Esta multiplicação do plasmódio leva ao rebentamento do glóbulo vermelho. Cada novo plasmódio libertado rápidamente invade um novo glóbulo vermelho, continuando assim o ciclo da fase sanguínea. Cada cíclo dura em média 48 horas. É na fase sanguínea que a doença se manifesta, com todos os seus sintomas clínicos.

Margarida Rodrigues
Doutorada em Cências Biomédicas