sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Para que não digam que este blog não tem ares de conexão com a biologia, deixo aqui uma notícia que intriga, não só a mim, como aos biólogos, nomeadamente os portugueses, creio.


"Por favor, não mordam os tubarões
12.09.2007, Ana Fernandes

Portugal é o terceiro país da União Europeia que mais caça tubarões. Há quase 50 espécies do animal nas águas nacionais. Uma associação internacional pediu ontem em Lisboa que se proíba a pesca só para tirar barbatanas

Por alguma razão bizarra, há em Nova Iorque dez vezes mais pessoas que são mordidas por outros seres humanos do que gente que levou dentadas de tubarão em todo o mundo. Com a pior das famas, este peixe é visto como um temível predador, doido por arrancar pernas a banhistas incautos.

Nada mais errado. Não são uns santos, é certo, são animais selvagens que usam o que a natureza lhes deu - poderosas mandíbulas - para se alimentarem. Mas humanos não são, de todo, o seu pitéu favorito. "Têm de ter acordado com os pés de fora, estarem com muita fome ou serem muito chateados", diz João Correia, um biólogo marinho que se dedica a estudar tubarões e raias. (...)

São 47 espécies de tubarões e três de quimeras, um primo dos primeiros e que é "uma mistura entre coelho, rato, peixe e sapato velho", descreve João Correia. Até o mediático tubarão-branco por cá passeia de vez em quando. Alguns estão criticamente em perigo - como é o caso do tubarão-anjo. (...) Também a tremelga, o carocho ou a tintureira começam a ficar ameaçados. Os douradinhos.

Mas para que é que Portugal pesca tubarões, pergunta-se. Antes de mais porque vem nas redes ou artes de pesca usadas para capturar outras espécies comerciais. É o chamado bycatch que está a ser cada vez mais aproveitado dado o declínio dos recursos tradicionais. No caso da tintureira, por exemplo, já se encontram postas nos supermercados. A sua carne é sobretudo para peixe processado, o caso dos douradinhos, por exemplo, que de pescada já têm muito pouco.Mas o grande negócio assenta sobretudo nas suas barbatanas - transaccionadas a preços fabulosos -, que daqui seguem para Espanha e depois para a Ásia para fazer as famosas sopas. Sopa essa que na maior parte das vezes é canja de galinha, usando-se as barbatanas para dar a consistência. "Porque é que ninguém diz àquela gente que a gelatina ou a farinha Maizena servem os mesmos propósitos", sugere Correia."Antes eram um mimo gastronómico para imperadores mas agora popularizou-se. As pessoas já a podem adquirir e o Ocidente aderiu à moda", disse Uta Bellion, da Shark Alliance, uma associação que reúne várias organizações não governamentais, cientistas e até mergulhadores.(...)

De 1986 a 2001, foram desembarcadas em Portugal 82.704 toneladas de tubarões e só em 2005 chegaram aos portos nacionais 15.360 toneladas, a maioria do Atlântico e alguns do Índico. As tintureiras são as grandes massacradas, seguidas pelas mantas, anequim, a lixa e o carocho.Os tubarões-anequim, martelo e raposo, que representam uma grande percentagem dos animais capturados, são considerados vulneráveis.

Os mais de 50 milhões de tubarões mortos todos os anos no planeta servem diversos fins. Além das barbatanas, a carne é crescentemente apreciada, aproveita-se o óleo do seu fígado, as cartilagens vão para a indústria de cosmética e a pele serve para cintos, sapatos e companhia limitada, explicou Uta Bellion.

Mas o grande problema da pesca de tubarão reside sobretudo no apetite pelas barbatanas. Além de serem mais valorizadas economicamente, ocupam menos espaço nos barcos, o que leva os pescadores a apanhar os bichos, cortarem-lhes os membros e largarem-nos na água, muitas vezes ainda vivos.A lei comunitária, diz Sonja Fordham, permite que se faça isto até um limite, mas que é largamente ultrapassado. Portugal é um dos cinco países da União que permite a remoção das barbatanas no mar.É esta a grande batalha da Aliança para os Tubarões. Não pretendem proibir a pesca mas sim acabar com a possibilidade de desembarcar apenas barbatanas, obrigando os pescadores a trazer o animal inteiro para terra, o que diminuiria a sua matança dada o espaço limitado dos porões.Para isso, pretendem que a Comissão Europeia cumpra uma promessa feita em 1999, que é a de estabelecer um plano de gestão para estes peixes, com base em conhecimento científico, para se tomarem as medidas consideradas adequadas para garantir a sobrevivência de um animal que habita os oceanos há 400 milhões de anos.

Mas porque é que o mundo se deve preocupar com um animal aparentemente tão desagradável? Uma pergunta que está viciada de ideias erradas. Indo por partes. Além do respeito por uma espécie que antecede, e muito, a presença dos humanos sobre o planeta, acresce a própria saúde dos oceanos. Como predadores de topo, têm um papel fundamental na estabilidade das cadeias alimentares. Um exemplo simples: as sardinhas são comidas pelas focas que, por sua vez, são comidas por tubarões-brancos. Há uns anos, na Califórnia, alguém se lembrou de matar os tubarões, descontrolando a população de focas, que chacinaram as sardinhas e deixaram os pescadores na falência.

Além disso, são animais muito vulneráveis, apesar de bem adaptados ao meio em que vivem. Isto porque amadurecem tarde - pelo que se morrem jovens não se reproduzem, têm poucos filhos e longos tempos de gestação. Portanto são muito susceptíveis à sobrepesca.

Mas indo ao que interessa, serão assim tão temíveis? É um mito, asseguram os seus defensores, e têm várias estatísticas estranhas para o provar: nos EUA e Canadá, cerca de 40 pessoas são mortas anualmente por porcos, seis vezes mais do que os tubarões matam em todo o mundo. Há 16 vezes mais probabilidade de se ser atingido por um raio do que ser mordido por um tubarão e morrem mais pessoas no mundo devido à queda de cocos do que os que são mordidos por estes peixes. Entre todas as espécies de tubarões, aquele que mais mata é o tubarão-branco seguido pelo tubarão-tigre. Mesmo assim, o seu currículo é de desprezar. De 2000 a 2004 houve entre 57 a 78 acidentes no mundo com tubarões e entre 4 a 11, conforme os anos, é que foram fatais. Só que são acidentes muitíssimo mediáticos."Temos de ser amigos dos tubarões", diz Uta Bellion. E, contra todos os preconceitos, até dá para ser amigo do peito. Que o diga João Correia que, durante o estágio que fez nas Bahamas não perdia a oportunidade de, nas horas vagas, ir nadar com os bichos. Talvez não lhes desse muitos abraços mas o certo é que ele e os seus colegas saíram sempre sem uma beliscadura. "

in Público





É o silêncio dos indigentes que grita nesta notícia.
Sem que nada possam fazer, cabe a nós ouvir o que não dizem e socorrê-los, antes que seja tarde demais.

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